Em dia de sol em Lisboa talvez para nos aquecer a alma e distrair dos pântanos político-económicos em que as últimas semanas de 2014 se têm caracterizado, proponho uma viagem e longo curso de Lisboa até à Beira e regresso, no nosso maior e mais belo navio de passageiros: o paquete INFANTE DOM HENRIQUE, navio-almirante da Companhia Colonial de Navegação. É um exercício impossível porque o navio desapareceu há muito mas imagine-se que este contemporâneo do FUNCHAL tinha tido melhor sorte, e ainda se
podia embarcar no Cais da Rocha numa das suas viagens redondas que hoje seriam um cruzeiro inesquecível: Lisboa, Funchal, Luanda, Lobito, Cidade do Cabo, Lourenço Marques e Beira. O regresso era feito pelos mesmos portos e a viagem redonda demorava 45 dias.
O INFANTE DOM HENRIQUE foi o maior dos quatro navios de passageiros construídos expressamente para armadores portugueses no ano de 1961, com os paquetes PRÍNCIPE PERFEITO, FUNCHAL e o inesquecível PONTA DELGADA, versão em miniatura do FUNCHAL.
Curiosamente apenas o INFANTE não foi projectado pelo Eng. Construtor Naval Almirante Rogério de Oliveira.
De todos estes paquetes, o FUNCHAL tem sido o mais feliz, apesar de diversos períodos de incerteza ao longo dos 53 anos de existência, ainda navega para agrado de muitos passageiros.
O PRÍNCIPE PERFEITO terminou a sua última viagem para a Companhia Nacional de Navegação em Junho de 1975 e foi vendido no ano de 1976, embora tenha levado depois uma existência apagada, com períodos de utilização estática como hotel-flutuante e muitos anos de imobilização na Grécia e um derradeiro encalhe fatídico na praia de Alang, India, local próximo de Diu, a 8 de Junho de 2001.
O INFANTE terminou a última viagem comercial em Lisboa em Janeiro de 1976 e foi vendido no ano seguinte para serviço estático em Sines, de onde regressou em 1986, depois de comprado pelo armador George Potamianos. Seria transformado em navio de cruzeiros, e navegou de 1988 a 2000 com os nomes VASCO DA GAMA e SEAWIND CROWN, acabando arrestado em Barcelona de Setembro de 2000 e Dezembro de 2003, quando seguiu para a China para ser demolido, com o nome BARCELONA e bandeira da Geórgia. O saudoso (no ponto de vista dos Homens do Mar) Almirante Américo Tomás, grande patrocinador do ressurgimento marítimo português durante a Segunda República, que acompanhou a chegada do INFANTE ao Tejo em Setembro de 1961, no seu automóvel, desde o Guincho até Lisboa, teria morrido outra vez se sonhasse que o INFANTE ia acabar embandeirado numa antiga república
Comunista...
Claro que se em 1974-75 não se tivesse entrado em espiral de desmaritimização a toda a força à vante, tanto o INFANTE como o PRÍNCIPE teriam sido viáveis como navios de cruzeiros, se devidamente geridos e reconvertidos, de preferência substituindo-se as máquinas a vapor originais por motores diesel e modernizando-se os alojamentos para passageiros. Ambos estes navios tinham grande prestígio na África do Sul, onde chegaram a efectuar temporadas de cruzeiros com bastante sucesso, e poderiam ter operado nesse mercado e no mercado europeu a partir de Inglaterra e Holanda, por exemplo, com algumas viagens oceânicas Europa - África do Sul, para as quais havia passageiros, e em cujo segmento passariam a não ter concorrência com a retirada dos paquetes da Union-Castle e Safmarine, em 1975-77, quando foram substituídos por porta-contentores.
Mas não foi assim, porque faltou a visão aos armadores portugueses e a vontade de preservar e desenvolver as actividades marítimas em Portugal, quadro que ainda se mantém, infelizmente.
A culpa não é exclusivamente atribuível aos personagens do 25 de Abril, pois a vontade de vender os paquetes e a venda efectiva da maior parte deles foi anterior, iniciada em 1970.
Portugal não soube preservar e desenvolver as políticas de negócio marítimo e Marinha Mercante, e da frota antiga salvou-se o FUNCHAL por milagre. É que quando o navio parou em Agosto de 1972 com a segunda avaria nas caldeiras, a primeira ideia da Administração da Empresa Insulana de Navegação foi ver-se livre do paquete. Esse rumor chegou ao Palácio de Belém, e o Presidente pegou no telefone, ligou para a sede da Insulana (então detida pela Sociedade Financeira Portuguesa) e disse que nem se atrevessem a pensar em vender o FUNCHAL depois de lhes acabar de ser atribuído direito de tráfego nas linhas de África pelo Governo. Alguém se pôs de pé e o FUNCHAL acabou remodelado para cruzeiros na Holanda e ainda navega...
Que pena que o mesmo não tivesse acontecido com o INFANTE DOM HENRIQUE, o PRÍNCIPE PERFEITO e diversos outros paquetes portugueses, mas como diz o Povo, Portugal pode ser um País de Marinheiros (será?) mas seguramente não tem sido uma terra de Armadores... Que fazem muita falta no actual contexto de vontade sebastiânica de regresso ao mar...
Hoje dava tudo para ir ao Cais da Rocha e embarcar no INFANTE DOM HENRIQUE, acreditem. Mas, nem tudo é mau, está lá o FUNCHAL no qual vou embarcar a 28 de Dezembro para o cruzeiro de fim de Ano à Madeira. O navio está quase cheio, mas ainda pode fazer a sua reserva
aqui...
Fico à sua espero a bordo do FUNCHAL, vai gostar do navio, do ambiente, da viagem e do final do ano na baía do Funchal, e bem precisamos de entrar o ano de 2015 com o pé direito...
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