Paquete FUNCHAL fotografado por Luís Miguel Correia ao entardecer
de 2 de Março de 2015 no Cais da Rocha em Lisboa
Passo o estaleiro da Rocha e não resisto a fazer um pequeno desvio. Estaciono, passo a ponte laranja e entro no recinto do Cais da Rocha do Conde de Óbidos. O Paquete FUNCHAL está tranquilo, o costado a brilhar dos retoques de pintura recentes, mas não há vivalma. O navio está quase adormecido, a sanefa da escada do portaló diz que somos bem vindos, mas não há mais ninguém no cais para além do segurança de serviço. O silêncio de fim do dia é recortado pelo ronronar suave de um dos geradores do FUNCHAL, (não é o Mitsubishi barulhento, não, o ruido é de surdina), há vida nas entranhas do velho e esbelto paquete, velho apenas nos 54 anos que a sua quilha desloca desde Fevereiro de 1961, desde o dia 10, quando correu a carreira do estaleiro em Elsinore, porque a alma do FUNCHAL continua irrequieta a querer voltar a sair a barra e aventurar-se pelos sete mares que porcorreu tantos anos de forma gaiata, desde que o soltaram das linhas triangulares Lisboa -Madeira - Canáras - Açores e se fez navio de cruzeiros, um cisne branco com a bandeira portuguesa e os nomes FUNCHAL - Lisboa à popa. Falamos de 1973 quando se deu início à primeira época de cruzeiros.
Mas quando agora o FUNCHAL voltar a soltar as amarras dos cabeços velhos conhecidos do Cais da Rocha será para subir o Tejo e regressar à Matinha. Um cais de má memória que quase o viu morrer ainda há 3 anos. Esperemos que a estadia no cais do esquecimento seja curta. O FUNCHAL tem todas as condições para ter sucesso num nicho de mercado que privilegie um público com distinção e bom gosto apreciador das belas linhas e familiariedade de ambiente único a bordo, caracteristicas que aliás têm cativado milhares de passageiros ao longo dos anos e ainda em 2014 surpreenderam passageiros estrangeiros veteranos de cruzeiros que ao desembarcar me confidenciaram ter o FUNCHAL proporcionado o melhor cruzeiro das suas vidas, isto dito por um casal de alemães com imensa oferta à porta de casa, que se meteram num avião e vieram "tomar" o FUNCHAL a Lisboa.
Claro que muito se poderá dizer e escrever sobre o FUNCHAL e o momento delicado que atravessa, mas o melhor mesmo é confiar na boa estrela deste navio de alma portuguesa e esperar pelos próximos episódios, desejar que se consiga uma solução que viabilize o navio em termos futuros e preserve a dignidade e a tradição lusa do nosso FUNCHAL. Porque quando vou ver o FUNCHAL adormecer ali mesmo no Cais da Rocha ao cair da tarde, não vejo um naviozinho bonito de 10.000 toneladas, vejo 250 mil toneladas de paquetes portugueses que não soubemos aproveitar e que foram devorados pela nossa indiferença na década de 1970: olho o FUNCHAL e recordo o ANGRA DO HEROÍSMO, o CARVALHO ARAÚJO, o SANTA MARIA, o PÁTRIA, o TIMOR, o UIGE, o NIASSA, o INFANTE DOM HENRIQUE, o PRÍNCIPE PERFEITO, que era outra obra prima do Almirante Rogério de Oliveira e todos os outros que em tempos atracaram ao cais da Rocha e em Alcântara. E então afasto a indignação que por momentos me assalta e a vontade de bradar meia duzia de coisas que não serviriam para nada, retomo o olhar embevecido pelo FUNCHAL e vejo alguém na escada de portaló, um marinheiro conhecido que me cumprimenta. O FUNCHAL não está abandonado e vai recuperar de mais esta crise existêncial. Descansa bem, FUNCHAL está a anoitecer, está tudo tranquilo, tens muitos amigos. Amanhã será outro dia.
(mais FUNCHAL aqui e ainda no Blogue do Paquete FUNCHAL de 1961. Não percam.)
(mais FUNCHAL aqui e ainda no Blogue do Paquete FUNCHAL de 1961. Não percam.)
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