Durante vinte anos a frota de navios de passageiros portugueses foi um dos temas de grande orgulho nacional. Havia nesse orgulho um factor de propaganda política, enaltecendo indirectamente a obra de ressurgimento nacional do Estado Novo, louvando Salazar e homenageando Américo Thomaz, tido como o "Pai da Marinha Mercante."
Ao mesmo tempo havia lugar a um orgulho legítimo, pois em 30 anos, de 1945 a 1975, havia-se quebrado um certo fatalismo ligado aos assuntos do mar e Portugal sobressaía pele primeira vez desde o século XVIII como nação marítima de primeira grandeza. Os nossos navios não ficavam a dever nada aos seus congéneres estrangeiros, as empresas armadoras viviam de forma equilibrada, renovando as frotas e olhando para a internacionalização ao mesmo tempo que o sector contribuía para o desenvolvimento da Indústria Naval - construção e reparação, e para o equilíbrio da balança de pagamentos com o estrangeiro.
Em parte provou-se que esta realidade era ilusória, pois o tempo demonstrou não ser sustentada por verdadeiro espírito marítimo. Apesar das aparências não se conseguiu ultrapassar o síndrome tutelar dos mercados protegidos e do guarda-chuva do Estado. Em 1975-85 esse guarda-chuva tornou-se tenebroso e deu no que deu. Um grande desperdício de navios, talentos e oportunidades perdidas, ilustrado nesta fotografia de autor não identificado, com os paquetes VERA CRUZ e SANTA MARIA encalhados na ilha Formosa em 1973, após terem sido vendidos para sucata pela Companhia Colonial de Navegação. Os navios eram muito bons, tinham 20 e 19 anos, com pelo menos mais 20 de vida futura e um potencial enorme no mercado de cruzeiros que então começava a crescer alimentado por navios com as características dos nossos mas com gente determinada e cheia de iniciativas. Foi esse o nosso drama, cultivámos o desperdício até à situação extrema. Enquanto em Portugal se deitavam para o lixo o SANTA MARIA e o VERA CRUZ, exactamente na mesma altura em Miami, um engenheiro emigrado de Israel poucos anos antes chamado Ted Arison comprava dois paquetes da mesma classe de origem inglesa e começava a companhia CARNIVAL. O resto da história todos sabem e faz a diferença entre ser um país de cacilheiros estatais versus país marítimo. E não se iludam, hoje começa a falar-se do mar, mas o espírito marítimo e a cultura do mar necessários ao relançamento dos sectores do mar em Portugal ainda cá não estão. Muita gente fala sem saber bem o que diz, nomeadamente a nosso elite política e empresarial, há que começar a ensinar a cultura dos navios e do mar nas escolas. Já.
Quanto à fotografia que mostro hoje, é das mais tristes que me é dado ver. Naveguei em ambos estes paquetes. Assisti à largada de ambos para o Oriente em 1973. Não há palavras..., a culpa é de todos nós que teimamos em brincar e culpar os governantes que são afinal aquilo que temos sabido merecer.
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